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Reforma Administrativa será mais cruel com as mulheres

Neste dia 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, é imprescindível falar sobre uma situação próxima de se concretizar que prejudicará muito as mulheres brasileiras: a aprovação da Reforma Administrativa.

A proposta de Reforma apresentada ao Congresso pelo governo de Jair Bolsonaro trará uma série de prejuízos à população com a interferência política no serviço público, a precarização do trabalho dos servidores e das servidoras e a consequente piora dos serviços prestados à população.

Mas ela atingirá de maneira ainda mais cruel as servidoras e também as mulheres que fazem uso do serviço público. As servidoras são maioria nas políticas públicas de saúde, educação e assistência social.

Para Camile Sahb, que é servidora federal e especialista em políticas públicas e gestão governamental, as mulheres serão atingidas frontalmente pela Reforma Administrativa. “Numa sociedade marcada pelo patriarcado, as mulheres serão as principais vítimas já que são elas que mais precisam de políticas públicas adequadas para vencerem as dificuldades impostas pelo machismo que rege as relações e que define estereótipos de gênero”, diz.

Ela chama atenção para uma questão importante: o aumento da vulnerabilidade das mulheres vítimas de abuso e de violência frente à diminuição da prestação dos serviços públicos.

“A precarização e provável redução dos serviços públicos põem em risco até mesmo a integridade física das mulheres. A existência de um arcabouço legal que pune a violência contra as mulheres é fundamental, mas não basta para proteger as vítimas. É preciso que existam espaços de atendimento integrado a essa mulher, com provisão de serviço psicológico, médico e legal. As Casas da Mulher Brasileira foi um projeto descontinuado antes mesmo de ser implementada a nível nacional”, explica.

Há menos mulheres nas posições mais altas

Outro ponto que merece nossa atenção nesse 8 de março é a desigualdade de gênero no serviço público. Mesmo apresentando um cenário melhor do que a iniciativa privada, o problema também existe na esfera pública.

De acordo com Camile Sahb, as desigualdades referentes à representatividade e à escolaridade parecem estar sendo superadas, no entanto, ainda persistem na diferença salarial.

Apesar de todos receberem a mesma remuneração pelo cargo que assumiram no serviço público, a diferença está na nomeação dos cargos de confiança do governo (DAS ou FCPE). Sendo que a escolha para essa ocupação fica a cargo do dirigente de cada órgão.

Os DAS possuem seis níveis, sendo 6 o mais alto, ocupado por secretários nacionais e diretores ou presidentes de autarquias e fundações. Já as FCPE, criadas em 2016, são destinadas apenas aos servidores concursados e possuem 4 níveis.

Do total dos DAS disponíveis em 2018, as mulheres ocupavam 43%, mas sua representação é alta somente até o nível 3. A partir do nível 4, observa-se uma diminuição da participação das mulheres nos cargos de confiança; no nível 6, apenas 17% dos cargos são ocupados por mulheres. E são nesses níveis que as posições de liderança se concretizam.

“A não participação das mulheres em ambientes de formulação e implementação de políticas públicas pode levar a pontos cegos quanto às necessidades e prioridades dessa população”, analisa Sahb.

Desigualdade de gênero e racial persiste no serviço público

A servidora também aponta, em artigo denominado Desigualdade de gênero na remuneração persiste na burocracia federal brasileira, que as mulheres também têm menor representação nos âmbitos das carreiras federais mais estruturadas, com presença em torno de 30%. Essas carreiras são vinculadas ao ciclo de gestão e recebem remuneração mais alta.

Conversamos com Roseli Faria, que também é servidora pública e faz parte da Assecor (Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Planejamento e Orçamento), sobre essa diferença de representatividade das mulheres em carreiras mais estruturadas.

Ela diz que o Estado reproduz boa parte das desigualdades observadas no mercado de trabalho, porque as mulheres dentro do serviço público estão representadas majoritariamente em carreiras com menos prestígio, remuneração e poder. São carreiras ligadas à área social do Poder Executivo e nas esferas estaduais e municipais, que já têm remuneração menor.

“Uma coisa que é importante enfatizar quando analisamos esses números é que isso não é coincidência. Não é que as mulheres não sabem escolher suas carreiras e vão justamente trabalhar naquelas que pagam menos. Por uma questão do machismo, do sexismo na sociedade, a gente muitas vezes observa que carreiras que vão ficando mais femininas e mais negras, ao longo do tempo, vão perdendo prestígio. Isso indica que a causa e efeito não é que as mulheres escolhem carreiras que são mal remuneradas, é que elas ficam mal remuneradas conforme se tornam mais femininas”, explica.

Roseli também chama atenção para o recorte racial da questão. Se é verdade que mulheres estão em situação inferior aos homens no mercado de trabalho e também no serviço público, a situação das mulheres negras é ainda pior do que das mulheres brancas.

“Você tem um contingente muito grande de mulheres negras que estão justamente no serviço terceirizado, que demanda menor qualificação, como o exemplo de copeiras e faxineiras, e que acaba tendo pouquíssima oportunidade de mobilidade social. Ou seja, o Estado continua sendo um empregador importante para as mulheres, mas as mulheres já estão em uma situação inferior a dos homens. E as mulheres negras estão em situação inferior a das mulheres brancas e ficam, principalmente, nessas áreas de menor qualificação. Não são carreiras, são ocupações dentro do Estado”, diz.

Para Roseli, o Estado é uma instituição importante e que se justifica pela promoção de equidade e oferta de serviços públicos, mas que tem tido seu papel reduzido nos últimos anos.

“Falando de gênero e raça, a gente percebe que o Estado tem um papel importante na redução dessas desigualdades, a partir da oferta de serviços públicos e da garantia de direitos, mas que neste momento estamos exatamente no caminho inverso. Nos últimos anos, temos observado uma série de reformas estão fazendo com que o Estado se redirecione, mude seu papel, então isso está esvaziando cada vez mais o papel do Estado como esse promotor de equidade. A gente não vai superar esses problemas estruturais se não tivermos o Estado atuando fortemente tanto nas suas políticas de gestão de pessoas mas principalmente na oferta de serviços públicos. Reformas como o Teto de Gastos, a PEC Emergencial e a Reforma Administrativa são reformas que estão no sentido contrário do papel do Estado de tentar transformar a sociedade e reduzir essas desigualdades”.

Apontando caminhos

Mas nem tudo está perdido. Recentemente, o governo federal publicou o Decreto 9.727, de 15 de março de 2019, que pode ser um passo importante na redução das desigualdades de gênero. O decreto aponta regras e diretrizes para a ocupação de cargos comissionados e que esses devem ser preenchidos, preferencialmente, por meio de seleção pública.

“Desde que seja feito um trabalho de sensibilização com os dirigentes para evitar o viés de gênero, essa diretriz talvez ajude a aumentar a representatividade das mulheres nos cargos a partir do nível 4”, explica Camile.

Sahb também aponta para a necessidade de mais ações promovidas para mitigar essas diferenças. Ela deixa claro que o problema não é qualificação, já que os números indicam que as mulheres possuem grau de escolaridade igual ou superior ao dos homens no serviço público.

“Certamente a adoção de cotas de gênero para determinadas posições poderiam rapidamente reverter o problema da ausência feminina, sem perda de qualidade de ação. Além disso, recomendações para os dirigentes que não façam reunião fora do expediente, que promovam treinamentos durante o horário de trabalho, que não utilizem a maternidade como critério de exclusão para a realização de alguma atividade, que exercitem o feedback com toda a equipe, mas principalmente com as mulheres”, aponta.


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